terça-feira, 1 de junho de 2010

Projeto SUZANO-MA : aspectos metodológicos e medidas “mitigadoras”

Considerações de cidadão da “sociedade civil”, em decorrência do decidido quando da Audiência Pública realizada em Imperatriz, aos 27 de maio, 2010.

por José Geraldo da Costa

Introdução

A proposta de empreendimento em questão se nos apresenta, ao mesmo tempo, como contraditória e irônica...

Enquanto se fala que o projeto está sendo posto à consulta crítica da comunidade – que assim, sic, com amparo na legislação pertinente, pode exercer plenamente sua cidadania (?) – esta mesma comunidade (“sociedade civil organizada”...) vem acompanhando ampla propaganda institucional do empreendimento, como se tudo já estivesse adredemente aprovado e “sustentado”.

Acresce, como agravante, que o próprio Governo Estadual – a quem, por lei e por sua SEMA, cabe(ria) analisá-lo criticamente, a fim de aprovar ou não seu licenciamento prévio... – o vem incluindo em sua própria propaganda institucional/político/eleitoral... neste ano de eleições. Fato amplamente constado pelas inserções insistentes na mídia em geral, em especial pela TV.

Da forma como tudo vem acontecendo – com a devida vênia do Ministério Público e da Justiça Eleitoral – poderia tornar “nulo de pleno direito” o que se venha formalmente “aprovar” (?) após as audiências públicas; e, ao mesmo tempo, enquadrar referidas veiculações como “propaganda político-eleitoral fora de época”, bem como “propaganda enganosa”...
A menos que referido governo estadual se confesse, transparentemente, como já sócio de um empreendimento... ainda tido como proposta sob análise, assim “técnica” como social. O que seria crime confesso! E não se pode acreditar que venha a ser o caso.
(Fotos Sidney Rodrigues: Audiencia pública EIA/RIMA em Imperatriz)

Por outro lado, em que pese o rol de diplomados que encabeça a apresentação curricular da consultoria contratada (STCP) pela empresa proponente – há passagens no documento apresentado que, ironicamente, avalisa que se duvide da capacidade/adequação técnica dos apresentados “especialistas”.

Basta que se leia o que consta de seu item 3.9.1 – Alternativas Locacionais (Alternativa II: Remanejar o Projeto Florestal em Outra Área Dentro do Próprio Estado), quando apresenta sumário rol de possíveis impactos de uma de apenas duas alternativas divisadas para implantação do projeto em questão. Ali consta exatamente isto:

...”Nesse caso devem ocorrer os seguintes efeitos:

– Não provoca impacto direto sobre a vegetação natural;

– Não provoca impacto direto sobre a fauna;

– Não provoca impacto direto sobre o solo e a água”

Ora, é colocação elementar que não há atividade antrópica em seu meio que não lhe cause impacto... Menos ainda em área antes já impactada, como é o caso em questão; pois assim se o diz, sic:

...”porque esses impactos já ocorrem quando da utilização ou uso do solo pelas atividades já citadas”.

De verdade, isso é literalmente pretender subestimar a inteligência mediana da população em geral e, em especial, mesmo dos iniciantes estudantes das questões ambientais.

Com essa mostra, não seria de esperar que o documento em tela pudesse ter cumprido com adequação os termos de referência maiores que integram a Res. CONAMA n.1/86, diploma legal sabidamente acima daquele instrumento que, por lei, cabe(ria) à SEMA apresentar à empresa proponente. Tal documento prévio não foi dado ao conhecimento público, juntamente com o EIA-RIMA. O que é de ser registrado e, em assim sendo, não se pode saber se a SEMA, no cumprimento de suas responsabilidades, acrescentou ou não o que consta da referida Resolução (cf. adiante, no Parágrafo Único) verbis:

...”fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.”

Acresce que alguns depoimentos dos consultores, quando questionados na audiência, revelaram fatos que seriam hilariantes se não fossem gravíssimos: por exemplo, apenas “dez dias de trabalho de campo” para levantamento fauno-florístico da região-alvo (cerca de 1/5 do território do MA!) passa(ria) a ser brincadeira, não fosse de si um acinte.

Portanto, não será demais aqui recorrer apenas do art. 60 da Res. CONAMA N.1/86 (com destaque para a expressão “no mínimo”):

Art. 60 - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:

I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto: completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:

a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;

c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.

II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.

III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.

IV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.

Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente; ou, quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.

Do que acima se põe como exigências (repita-se: “no mínimo”...) cabe ressaltar o conteúdo de seu inciso II, especialmente quando especifica, verbis, a necessidade de detalhar o que se prevê como distribuição dos ônus e benefícios. Neste aspecto, seria de esperar algo sobre distribuição social dos lucros do empreendimento...

No sistema econômico predominante entre nós, cujos principais capitães o julgam já avançado... (não mais “selvagem”) seria isto esperar demais?

Haveria MUITO MAIS para colocar, em termos metodológicos – especialmente sobre conceitos básicos no processo de entendimento (ECOLOGIA) e intervenção (PLANEJAMENTO) das/nas questões ambientais.

E não se trataria de algum aqui incabível academicismo; mas de coerência conceitual atualizada, necessariamente global e sistêmica, exigência da natureza mesma do objeto de estudo: AMBIENTE; ao lado de/ e para melhor adequação no processo de elaboração de medidas de intervenção ambiental.

O documento EIA-RIMA, nos moldes em que está posto, evidencia inadequações básicas (para usar de eufemismo) que se mostram como decorrentes de “ismos” já superados em meios não só acadêmicos. A própria tão recorrida Resolução n.1 – um instrumento de natureza operacional, portanto, nada “acadêmico” – não obstante deixe bem expresso o conceito necessariamente abrangente de AMBIENTE (Cf. acima: inciso I e suas alíneas) não parece ter sido “alcançada” pelos que elaboraram o documento em apreciação – nem pelos que o expuseram na Audiência havida em Imperatriz.

Ainda se insiste em falar e praticar separação entre o que seria “ambiental” (fisicalizando o contexto, restritamente)... e o que seria “econômico”... e o que seria “social”...; Confunde-se/ iguála-se “ambiental” apenas com “recursos naturais”... E por aí.

A partir de tais desentendimentos conceituais e operacionais, evidentemente, não se poderão esperar propostas, especialmente as ditas “sociais e econômicas” – muito menos suas esperadas implementações... – como medidas coerentes, sinérgicas... e, por via de conseqüência, corretas e justas.

Pelo que, com as vênias cabíveis – por se ter feito de generalidades, pouca especificidade e discutíveis referenciais técnico-científicos – tanto o DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO, como, especialmente, o CENÁRIO AMBIENTAL FUTURO,

deveriam ser refeitos, com a competência técnico-científica e a responsabilidade profissional e social esperadas como simplesmente normais.

(e não apenas “complementados”)

E, no caso, o EIA-RIMA também ser completado com o do projeto da planta industrial, necessariamente correlato, inexplicavelmente considerado como “outro”, à parte)

não obstante...

Não obstante as considerações acima, colocadas de modo circunstancialmente sintético, o cidadão por elas responsável – por isto mesmo – sente-se impelido a delinear, ao lado não só de advertências, algumas recomendações gerais.

Preliminarmente, no entanto, há um confesso constrangimento – humano e político – no uso da tão insistente (por que mesmo?) expressão “medidas mitigadoras”...

Porque parece ficar evidente (será?) que “mitigar” equivale a, ou leva a não resolução... de problemas e/ou dificuldades e/ou conflitos...

Para bom entendedor... não serão necessários comentários muitos sobre os aspectos políticos, ideológicos, éticos – ... humanos, enfim – em jogo na definição e formatação das necessárias políticas públicas que envolvem (ou o deveriam...) um grande empreendimento como o em análise. Tendo-se que por políticas públicas não se devem entender diretrizes a serem obedecidas apenas “pelo Governo”, mas por todos os agentes sócio-econômicos, em seus diferentes desempenhos. Especialmente pelos ditos “grandes empreendedores”.

Dada a natureza sistêmica dos fenômenos sócio-econômicos, os impactos divisáveis do empreendimento SUZANO – na hipótese de ser forçosamente (?) implantado – irão, por definição, atuar de forma inter-recorrente... no conjunto das localidades que constituem seu contexto maior (área de influência – cf. Res. CONAMA 01/86).

Por coerência metodológica, portanto, ditas medidas mitigadoras julgadas necessárias e convenientes, do ponto de vista sócio-econômico e cultural, devem ser apresentadas como um conjunto de providências... operacionalmente interrelacionadas.

Para o delineamento que segue, partiu-se da hipótese de que o empreendimento SUZANO – nos moldes anunciados e, para surpresa geral (?) já em curso

– já está e irá realimentar o modelo concentrador da propriedade fundiária.

(O próprio EIA-RIMA, não obstante suas falhas tantas, revela alguns dados...)

Trata-se de padrão sabidamente preexistente na região, mas que, consoante os dados disponíveis, está sendo exponenciado com mais esse processo de aquisição de fazendas pela nova empresa.

As conseqüências desse modelo/processo

– não destacadas, como de esperar, no apenas genérico diagnóstico apresentado – têm sido tais como as a seguir identificadas, em resumo.

Resumo diagnóstico

1. Diminuição da oferta de terras para pequenos e médios produtores, assim dificultados ou mesmo impedidos, de colocar suas roças de arroz/milho/feijão; e/ou de cuidar de hortifrutigranjeiros; ou, também, de pequenas criações;

2- Diminuição da produção local / regional desses produtos agrícolas e até mesmo sua estagnação, com conseqüente...

 queda / inexistência de produtos (não somente grãos) para comercialização;

 e, portanto, inexistência de estoques para consumo (sobras/excedentes de produtos comercializados);

3. Diminuição das possibilidades de alimentação/nutrição adequada por parte das populações residentes locais / regionais, constatadamente dependentes desse contexto produtivo e, por conseqüência, diminuição de sua qualidade de vida;

4. Tendência ao exaurimento dos meios circulantes (...) como resultado do esvaziamento do processo de produção / venda; e, paralelamente, importações sempre em alta. Portanto, franco desaparecimento do mercados locais e regional.

 Dizendo-o de modo apropriadamente mais abrangente e adequado, do ponto de vista sócio-político: o não desenvolvimento local e regional ;

5. Diminuição / estagnação da oferta dos produtos locais / regionais nos centros mais urbanizados / adensados populacionalmente – o que se agrava, como que contraditoriamente, com os reflexos flagrantes da constante migração rural / urbana – e, daí, necessidades crescentes de importação e, pari-passu, encarecimento desses gêneros básicos (grãos e hortifrutigranjeiros);

6. Êxodo rural, em busca das periferias das cidades, com aumento das demandas por espaço/habitação, energia elétrica, vias, saneamento básico, ... abastecimento em geral , ...e, também, por serviços sociais públicos... especialmente de saúde, educação, segurança, ...com incremento acelerado dos correspondentes custos públicos e, antes mesmo, da incapacitação dos equipamentos públicos de atendimento à população em geral; e, mais dramaticamente, àquela mais carente.

Algumas medidas propostas

As medidas a seguir – como hipótese compensatória (menos ruim que “mitigadora”) – devem ser entendidas como um plano para ações interligadas. Visam apenas, em curto prazo, minimizar tal estado de coisas. Mas pretendem que se as leve a ações coerentes e socialmente justas para, esperadamente, superá-lo, ao longo de prazos a serem estabelecidos e socialmente monitorados.

Isto se faz mais veemente quando se tem em conta o vulto e a abrangência sócio-econômica do projeto em consideração. Pois, como é de se esperar, suas responsabilidades sociais no ambiente em que se instala, impactando-o de formas variadas e em cadeia, impõem ao empreendimento atenções e compensações e redistribuições também variadas, a serem planejadas, projetadas e administradas de forma sistêmica e participativa.

Nesta perspectiva – das políticas públicas sociais – é que aqui de delineiam (de modo sintético) as seguintes providências:

1 Cadastramento, nas localidades/comunidades das áreas de influência, das famílias de pequenos e médios trabalhadores/produtores rurais que, nos últimos dez anos tenham perdido acesso à terra, para novos cultivos e/ou criatórios, em condições economicamente viáveis e humanamente condignas.

a. [espaço de tempo a considerar, pelo menos, pelo decorrido desde a chegada da CELMAR, depois incorporada pela atual propositora]

2 Disponibilização de áreas para tais fins, em plano/sistema desconcentrado por tais localidades/comunidades; dirigido aos cadastrados, em condições a serem pactuadas de preferência via associações desses produtores/ trabalhadores

3 Estabelecimento e operação de sistema integrado de assistência técnica (envolvendo entidades públicas tais como BB, BNB, EMBRAPA, Universidades sediadas na região...)

• SISTEMA que, necessariamente, contemple desde a orientação ao plantio propriamente dito até ao armazenamento, bem como ao transporte e à comercialização dos produtos.

4- Criação e operação de sistema e de unidades especiais de atendimento à saúde das comunidades, nisto se contemplando/ enfatizando:

a) a educação para a alimentação familiar;

b) acompanhamento materno-infantil (gestantes, nutrizes, crianças de 0 a 7 anos);

c)  programas específicos de saúde do trabalhador (não apenas dos da SUZANO).

5 Concepção e implantação de um sistema de educação escolar comunitária, moldado em formas – e, especialmente, conteúdos curriculares – centrados em ações ambientais ecologicamente adequadas ao equilíbrio rural/ urbano e ao desejável incremento constante da qualidade de vida.

• Ou seja: educação escolar realimentadora de um processo de desenvolvimento regional sustentável.

IMPERATRIZ, 29 de maio de 2010

* José Geraldo da Costa - Fundador da ADERT- Associação de Defesa Ecológica da Região Tocantina, primeira entidade ambientalista do interior do MA, há 20 anos. Ex docente e assessor na UFMA - Campus II - Metodologia científica/ pesquisa pedagógica. Ex-docente da UFPB-Campina Grande; da USP-Ribeirão Preto e EESC e CPDES em São Carlos, em São Paulo. Ex-assessor junto ao Governo do Estado de S Paulo (CEPAM, SEDUC, GERA, SEPLAN, EMPLASA).

2 comentários:

alexandre almeida disse...

Grande mestre Professor Geraldo.
Maranhão progresso do futuro.

o pior estado da federação Brasileira papo sempre.

vai ver os 21 que a justiça tá mando vê quem é.
tão nem ai para população tradicional.

e não existe projetos de compensação já temos exemplo da VALE.

Será que VALE apena ver de novo...

só no papel mesmo.

Anônimo disse...

Aposto com qualquer um que esse projeto é realidade,só resta nos acreditar... Pois não generalizando mas nos maranhense somos acomodados demais e somos também sofredores pois já estamos bastante iludidos com uma cambada que só aparece aqui para sugar o poucos dos sonhos no qual acreditamos, só que dessas vamos da mais um voto de confiança,esse projeto veio pra mudar um pouco nossa rotina, e quebra um pouco nosso marasmo.

Vai acredit maranhão.