*por Helio Gurovitz
A consolidação da imprensa profissional, ao longo dos dois últimos séculos, só foi possível porque ela mesma soube estabelecer seus limites. Cabe aos jornalistas informar, tomar posição sobre os temas relevantes para a sociedade e tentar influir no debate político em nome do interesse público. Mas é preciso saber onde parar. Jornalistas não podem mentir, não podem roubar, não podem desrespeitar a lei nem fazer aquilo que nossos avós classificariam como “passar dos limites”. Limites. Eis, numa palavra, aquilo que distingue o jornalista profissional dos blogueiros amadores e dos fofoqueiros que circulam pelas mesas de bar e redes sociais.
Testar esses limites não é, evidentemente, privilégio dos novos sites de vazamento, como o WikiLeaks, ou dos piados e latidos dos profetas e demagogos da era digital. Ninguém tem feito isso de forma tão evidente quanto o empresário australiano-americano Rupert Murdoch, um ícone da “mídia tradicional” – ele é controlador da News Corporation, dona do canal de TV Fox News, do nova-iorquino Wall Street Journal, do londrino The Times e de um sem-número de redes televisivas, jornais e negócios on-line mundo afora. Com a estridência que imprimiu à Fox, Murdoch misturou, como nunca antes, informação e opinião e atendeu à demanda latente da parcela do público americano que, diante da abundância informativa da internet, ansiava pela verborragia de comentários apaixonados, por mais que eles desafiassem a objetividade jornalística (a Fox chega a levar a sério quem afirma que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos...). Graças a esse modelo próximo dos blogs e do clima de botequim que impera no universo on-line, a Fox conseguiu, ao longo da última década, alcançar o primeiro lugar entre os congêneres e, para um faturamento estimado em US$ 1,5 bilhão, lucrou no ano passado US$ 800 milhões. Um indiscutível sucesso.
Mas nem sempre testar os limites dá certo, como o próprio Murdoch foi obrigado a reconhecer na semana passada ao fechar o tabloide News of the World, um jornal dominical inglês de 168 anos, que já alcançou circulação de 8 milhões de exemplares – e hoje vendia em torno de 2,7 milhões. A imagem do jornal foi destruída à medida que veio à tona a prática de violações sistemáticas à caixa postal de políticos e celebridades em busca de notícias exclusivas (leia a reportagem). Na última sexta-feira, a polícia prendeu um ex-diretor do jornal e ex-secretário de comunicação do primeiro-ministro britânico. Ao fechar o News of the World, Murdoch deixou claro quanto o jornal ultrapassara “os limites”. Para todos nós, fica ainda mais clara a importância de respeitá-los com rigor para que a sociedade possa continuar contando com um jornalismo livre, responsável e capaz de abraçar as inovações da era digital sem esquecer de perpetuar aqueles valores essenciais – que não mudam em todas as eras.
* Helio Gurovitz é diretor de redação Revista Época.
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