De um lado, casarões de veraneio onde a família do senador recebe convidados. De outro, casebres que abrigam 30 famílias pobres. Sobrinho do peemedebista ameaça transformar local em loteamento popular
O ESTADO DE SÃO PAULO -26 de outubro de 2013 | 16h 47 - Henrique Bóis, Especial para o Estado Raposa (MA) e Eduardo Kattah
No município de Raposa, 20 quilômetros a nordeste de São
Luís, a ilha de Curupu é conhecida como um dos símbolos do poderio
econômico da família Sarney. Mas sua área total de 16 milhões de metros
quadrados reflete também o contraste social pelo qual se tornou
conhecido o Maranhão.
Contraste. Na face sul, casas de luxo abrigam clã maranhense e convidados
No lado sul da ilha, duas mansões servem de abrigo para o clã
maranhense e seus convidados vips. Na face norte, um povoado conhecido
como Canto, formado por 30 famílias de remanescentes do local, ainda
vive como seus antepassados. Com a permissão do ex-presidente e senador
José Sarney (PMDB-AP), a comunidade simples reside ali em casebres de
madeira, cobertas de palha ou de telhas de amianto. Os moradores alegam
que não têm permissão para construir casas de alvenaria.
Se depender da disposição de um sobrinho de Sarney, a ilha poderá
futuramente contar com novos moradores. Dizendo-se coagido na sua
intenção de vender a parte que lhe cabe em Curupu, ele ameaça fazer um
loteamento “popular” na paradisíaca propriedade da família.
Gustavo da Rocha Macieira, filho de Cláudio Macieira - já falecido -,
irmão de dona Marly Macieira Sarney, esposa do senador, decidiu há dois
anos oferecer, por cerca de R$ 20 milhões, os 12,5% que possui da ilha.
Em dezembro de 2011 ele chegou a publicar anúncios em jornais,
contratou uma imobiliária para cuidar da venda e iniciou uma negociação
com um grupo português. Segundo Gustavo, este e outros compradores
desistiram da compra ao saber que se tratava de um imóvel da família
Sarney.
A imobiliária Alzira, que ele contratou em São Luís, não conseguiu
publicar o anúncio da venda no jornal O Estado do Maranhão - de
propriedade da família Sarney - e, com medo de “retaliação”, preferiu
desfazer o contrato com o sobrinho do senador. A governadora Roseana
Sarney (PMDB), afirma Gustavo, quer impedir que ele use nas peças
publicitárias fotografias da sua mansão na ilha.
‘Vai ter fila’. “O que me parece que vai restar como
opção para mim é chegar lá no Maranhão e oferecer lotes a partir de 100
metros quadrados para quem quiser comprar, fracionar aquilo”, disse ao
Estado Gustavo. “Vai ter fila em São Luís. Aí o problema é deles. Vai
ser bom porque eles vão conviver com o povão, né? Vai ser agradável.”
A sua parcela na ilha é de aproximadamente 2 milhões de metros
quadrados. Há dois anos, segundo corretores locais, o metro quadrado de
terra na região (não especificamente na ilha) estava sendo vendido a R$
30. É o preço que o sobrinho de Sarney pretende cobrar pelo metro
quadrado de sua imensa parte na ilha.
Esse valor é menos da metade dos R$ 66 pelo metro quadrado que
Ivanoel Alves de Sousa tenta obter com a venda de um terreno de 10 por
38 metros em área bem localizada no Timbuba, área portuária no município
vizinho de Paço do Lumiar, utilizada pelos Sarney e amigos para
embarque e desembarque. No condomínio Alphaville, na cidade de São José
de Ribamar, a venda de lotes gira em torno de R$ 450 o metro quadrado.
Não há placas de venda em Curupu. Na semana passada, o Estado teve
acesso à ilha a convite de moradores do Canto. A paisagem é como uma
miniatura dos lençóis maranhenses, em frente à sede do município de
Raposa, cidade construída por imigrantes cearenses exilados pela seca da
década de 1930 e que ocupa o 3.561.º lugar entre as 5.565 cidades
brasileiras no Índice de Desenvolvimento Humano. A água que abastece os
casebres da colônia de pescadores tem alto nível de salinidade.
Entre os moradores está Valbinho, apelido que Claudiomar Ferreira da
Silva, 43 anos, ganhou nos 18 anos que passou executando serviços
domésticos na casa do Sarney em Curupu. Segundo ele, Sarney o tem como
amigo. Até pouco tempo, o ex-presidente da República costumava ir até o
Canto.
Bolsa Família. “Às vezes ele me chamava na casa para
saber das novidades”, conta Valbinho - que é pescador e pai de três
crianças, todas inscritas no Programa Bolsa Família. No município há
5.664 inscritos no programa social do governo federal. Segundo cadastro
do Ministério do Desenvolvimento Social a frequência escolar é de 71,47%
nas escolas que recebem alunos entre 6 e 15 anos.
Há uma escola no Canto. Luana de Jesus da Silva, 15 anos, e Diana de
Jesus Silva, 9 anos, estudam na Unidade Escolar Manoel Batista, um anexo
da rede de ensino fundamental de Raposa. Luana está na 6.ª série e
Diana na 4.ª.
Ambas dividem o único professor num mesmo espaço. Na quarta-feira,
Diana fechava as portas da escola às 16 horas. Não houve aula.
“Os professores de Raposa não querem vir pra cá”, reclama Valbinho.
Sem ler, nem escrever, o “amigo do senador” sabe da instabilidade em que
vivem os moradores na ilha. “Aqui tem luz. Mas nós não temos conta em
nosso nome. Não podemos provar coisa alguma”, afirma. “Qualquer dia
desses o velho morre e a ilha será vendida”, vaticina.
São poucos os que possuem emprego formal. Há empregados da casa do
Sarney que moram ali. Das 30 casas, pelo menos 20 têm uma moto em
frente. Mas só os homens pilotam. Todos no povoado votam ou votaram em
Roseana nas últimas eleições, como conta Cleudes, esposa de Valbinho.
A política de proteção da Ilha dos Sarney foi mais acentuada no
passado. “Houve uma época em que eles colocaram segurança de um lado e
de outro aqui em Raposa”, conta Francisco “Nego”, barqueiro que tira a
modesta renda diária cobrando R$ 2 por travessia em um barquinho. Não
deu certo. Hoje os caseiros relaxam e abrem as portas aos visitantes,
ilustres ou desconhecidos.
Do outro lado de Curupu a segurança das mansões dos Sarney costuma
ser feita por policiais militares da Secretaria de Estado de Segurança
Pública. De camisetas azuis com logo da ilha estampado, quatro se
revezam em plantões na casa de Roseana, esteja a governadora presente
nas dependências da mansão ou não.
Mas raros são os moradores do porto que já viram o senador
pessoalmente. O barqueiro Domingos Souza Marques, 51 anos, conta que só o
viu pela televisão. San Dumon Kzam, 43 anos, comerciante descendente de
libaneses, viu apenas uma vez o senador passando para o porto no rio
Santo Antonio. “Estou comprando até terreno na lua”, brinca Kzam, ao ser
informado sobre a proposta de loteamento de parte da ilha feita por
Gustavo Macieira.
Porém, está ficando raro também o uso do porto em Paço do Lumiar
pelos Sarney. Conforme relatos de moradores, quando se recolhe à ilha, a
governadora utiliza helicópteros oficiais do Estado. Os convivas
costumam partir do heliporto do empresário Eduardo Lago, na praia do
Olho D’Água em São Luís. Vista do céu a visão da ilha esconde os
casebres do Canto. O que sobressai é mesmo a parte sul e o imenso
telhado da mansão do senador e de sua filha entre o recorte do mar e a
vegetação preservada.
Respeito. Gustavo, que mora no Rio, diz que não
visita a ilha há quase dez anos. O último encontro com o senador foi na
época em que decidiu vender sua parte na propriedade. Disse que foi ao
Senado para comunicar ao então presidente da Casa sua intenção “por
respeito” e “consideração” ao tio.
“Não estou numa cruzada, não quero comprar briga com ninguém. Eu
quero, eu preciso vender (a ilha). Eu tenho minha mãe e meu filho, que
são dependentes de mim. Eu sou de classe média. Eu nunca ocupei e nem
quero nenhuma diretoria de estatal, não fui educado pelo meu pai nesse
tipo de bajulação a um ‘politicozinho’. Quero apenas vender um
patrimônio que foi constituído, comprado pelo meu avô na época, vendido
para o meu pai e que meu pai me vendeu essa fração ideal”, afirma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário