EXPULSÃO DE MADEIREIROS DA TERRA INDÍGENA AWÁ NO MARANHÃO PODE LEVAR A CONFLITO ARMADO
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Criança Awá. Foto: Survival |
Uma guerra está
anunciada no interior do Maranhão. Índios da etnia Awá-Guajá, apontados como os
mais ameaçados do mundo pela ONG Survival International, estão dispostos a
morrer em defesa de seu território, invadido por madeireiros.
A Fundação Nacional
do Índio, Funai, reconhece a situação. Cerca de 700 pessoas habitam ilegalmente
as terras dos indígenas, declarada dos Awá em 1992 e homologada em 2005. A
equipe da fundação no local informou que autoridades policiais e do Exército já
estiveram no região para determinar a estratégia da desintrusão – a retirada de
não índios. A operação, que deve acontecer em dezembro, pode se transformar em
um conflito armado.
” Os índios
Awá-Guajá precisam de ajuda. Os madeireiros vêm e destroem isso tudo e os
índios não têm mais como viver. Eles não têm resistência orgânica, eles não têm
força de reação, eles só têm uma flechazinha que eles fazem há mil anos. Eles
precisam de nós”, afirma José Pedro dos Santos, da Frente de Proteção
Etnoambiental Awá-Guajá da Funai, em entrevista à DW Brasil.
Zé Pedro, como é
conhecido, trabalha há 40 anos com esses índios na base instalada a 20
quilômetros da sede do município maranhense de São João do Caru, distante 400
quilômetros da capital São Luiz. Ele convive com ameaças constantes de morte e,
junto com o batalhão da polícia ambiental no local, tem armas pesadas para se
defender.
A situação dos Awá
ganhou destaque internacional e vai ocupar treze páginas da tradicional revista
Vanity Fair, que chega às bancas em dezembro, com imagens do fotógrafo
brasileiro Sebastião Salgado.
Guerra
anunciada
“Os madeireiros
ameaçam por telefone, mandam recado, mas não vêm aqui. Usam ameaças veladas,
divulgam na rádio que isso aqui não tem razão de ser e que as forças federais
não vão intimidá-los. Eles vão enfrentar”, garante José Pedro. A percepção de
quem convive diariamente com os Awá é a de que o problema é grave. “Os caras
vão matar a gente aqui. E matando a gente, eles matam os Awá-Guajá, não tenho
dúvida”, alerta o funcionário da Funai.
A sede da Funai, em
Brasília, não confirma datas para a desintrusão da área indígena, mas assegura
que a invasão trás “graves prejuízos para a sobrevivência dos Awá”. A
missionária Madalena Borges Pinheiro, do Conselho Indigenista Missionário do
Maranhão, também está na expectativa de que as ações de desintrusão ocorram até
o final do ano. Segundo ela, a questão territorial é o problema mais sério
enfrentado por esse grupo, que ainda mantém hábitos nômades.
Embora estejam
fixados em quatro aldeias – Tiracambu, com 59 índios; Awá, onde vivem 174;
Juriti, com 60, e Cocal, com 106 –, os índios dependem da caça, pesca e da
coleta de frutas para viver. Além dos 399 índios acompanhados pela Funai,
existem registros de outros Awá ainda não contatados na mesma região. “Eles não
falam português. Eles não são lavradores. É uma nação que ainda não evoluiu
[sic] dentro do contexto urbano”, explica o técnico da Funai.
Índios
encurralados
Sarah Shenker,
ativista da Survival International, que há 40 anos acompanha a situação dos
indígenas no Brasil, com atenção especial aos Awá, explica que a questão
territorial é fundamental para esse grupo indígena. “A terra Awá está sendo
devastada muito rapidamente”, denuncia. A entidade estima que um terço de toda
a área já tenha sido queimada ou desmatada. Ela própria esteve no local e
constatou que o espaço é cada vez menor para que os índios sobrevivam da caça.
Os problemas de
sobrevivência da etnia começaram logo depois do primeiro contato com não
índios. A construção da Estrada de Ferro Carajás, na década de 1980, abriu
caminho para a chegada de madeireiros e outros invasores. No entanto, o direito
dos índios a essas terras – entre os municípios de Centro Novo do Maranhão,
Governador Newton Bello, São João do Caru e Zé Doca – é reconhecido pelo
governo brasileiro desde 1961.
Números
decrescentes
Antes do contato,
os Awá já foram mais de mil. Uma mescla de fatores contribuiu para o
encolhimento da população, explica Sarah Shenker. “Quando a ferrovia atravessou
a terra dos Awá, muitos não indígenas massacraram famílias inteiras. Outros
morreram de doenças que não existiam quando viviam isolados”, afirma.
Além disso, a
exploração da floresta tem encurralado os Awá. “A região toda respira madeira.
E madeira ilegal”, assegura José Pedro dos Santos, da Funai. Segundo ele,
entidades ambientais e o próprio Exército têm ajudado a fechar algumas
serrarias, mas a área é muito grande para um controle pequeno. “É uma dimensão
continental de ações e as estradas são muito precárias, onde só os madeireiros
andam, por causa dos caminhões”, contextualiza. “Mas nós estamos enfrentando,
mesmo correndo risco de vida. O idealismo de fazer é muito maior do que o medo
de ser agredido”, diz em tom de apelo.
Conforme a
missionária Madalena Pinheiro, o argumento dos madeireiros e de ruralistas é de
que a extensão de terra seria muito grande para poucos indivíduos. Ela explica
que essa afirmação não leva em conta o modo de vida dos Awá e que existe muita
pressão pela permanência de não índios nas terras já demarcadas. “É preciso
tirar quem se apossou de má fé”, enfatiza. No entanto, Madalena reconhece que
os 399 índios contados pela Funai não têm força política e de mobilização o
suficiente para fazerem valer seus direitos.
Nômades
e coletores
Os Awá não são
guerreiros. “É um povo amoroso e acolhedor”, define a missionária que até
ganhou um nome indígena, Matakina. Segundo ela, apenas os mais jovens falam
português, e apenas os homens. “É uma questão social. As mulheres são
encarregadas de preservar as tradições”, explica. Ela aprendeu awá – uma língua
da família do tupi-guarani – para trabalhar junto as comunidades, onde passa
vários períodos por ano.
Em seu dia a dia,
os índios vivem em grupos familiares e saem por vários dias para pescar e caçar.
Quando abatem um animal de maior parte, fazem a refeição em comunidade. Comem a
carne assada – moquiada, como se diz na aldeia – ou cozida inteira. “Os mais
velhos distribuem entre os mais novos”, comenta. Apenas o cozido leva sal,
ingrediente que os Awá conheceram depois dos primeiros contatos, na década de
1970.
Ação
internacional
Madalena conta que
os Awá sofrem com a questão territorial, mas não entendem exatamente o trabalho
que entidades internacionais fazem em nome da etnia. Ela própria elogia a atuação
da Survival International e diz que sem pressão internacional a solução para o
problema é mais complicada. Conforme Sarah Shenker, este é exatamente o papel
da Survival e que a ONG está pressionando o governo brasileiro por soluções.
O ensaio fotográfico
feito por Sebastião Salgado que será publicado pela Vanity Fair é uma parceria
com a Survival para que a situação dos Awá seja conhecida mundo afora. A
entidade explica que apoiou a logística da reportagem, mas que o financiamento
do trabalho foi discutido entre a revista e o fotógrafo. O trabalho anterior de
Salgado, Gênesis, foi financiado pela mineradora Vale, uma das
empresas responsáveis pela Estrada de Ferro Carajás e foi criticado por
ambientalistas do mundo inteiro.
Para José Pedro dos
Santos, da Funai, no entanto, esta é uma chance de socorro. Ele acompanhou a
visita de Salgado à aldeia Juriti e as conversas com os indígenas, antes das
fotos. Segundo ele, os próprios índios teriam pedido ao fotógrafo que mostrasse
ao mundo a situação deles e um dos índios teria dito: “Nós precisamos de ajuda
ou vamos todos morrer lutando.”
Fonte:
Deutsche Welle/Notícias Terra -
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