Artigo do deputado federal, Domingos Dutra (SDD) sobre o Sistema
Carcerário e o atual caos em que se encontra a segurança pública no estado do
Maranhão:
TRAGÉDIA ANUNCIADA I
*Domingos
Dutra
Fui autor e Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito do
Sistema Carcerário. Durante 11
meses investigamos o inferno
carcerário brasileiro. Diligenciamos em 18 estados. Vistoriamos 82 unidades prisionais. Conversamos com
cerca de 5 mil encarcerados em mais
de 500 celas. Concluímos que o
sistema carcerário brasileiro é ilegal, imoral, inconstitucional e desumano. Os cárceres brasileiros se
sustentam na tortura física, moral e
psicológica, sendo fábricas de
monstros.
O diagnóstico sobre o caos do sistema carcerário brasileiro
está contido em um substancioso relatório, tendo em anexo um CD de 25 minutos com as imagens do inferno.
Indiciamos 35 autoridades, dentre
juízes, promotores e diretores de unidades prisionais. Apresentamos 12 projetos de leis e 42 recomendações, tais como: a
realização dos mutirões carcerários; transferência de presos de delegacia e
cadeias para locais próprios, obrigação do Estado oferecer trabalho e
profissionalização aos presos; obrigatoriedade de realização de concurso para
defensores públicos e agentes penitenciários; informatização da execução
penal e das unidades prisionais;
obrigatoriedade a uma nova
arquitetura prisional, dentre outras medidas humanitárias.
Em 08 de fevereiro de 2008 diligenciamos na Delegacia de Paço do
Lumiar; no CPJ do Anil, na Casa de Detenção Masculina e na Penitenciária de
Pedrinhas.
Constatamos superlotação; excesso de presos provisórios; salada de presos, expressa na mistura de presos jovens com idosos;
presos primários com reincidentes; presos doentes com encarcerados aparentemente
sadios; torturas; alimentação
apodrecida; falta de trabalho e
escola; poucos agentes penitenciários; ingresso de armas, celulares e drogas;
lixo, esgotos estourados; carência
de assistência médica, educacional e jurídica. Por conta disto, o Presídio de
Pedrinhas foi classificado como uns dos 10 piores do Brasil.
Após a CPI aprovamos no Congresso Nacional o monitoramento eletrônico; as medidas cautelares e a redução da pena pelo trabalho e pelo estudo. Pela lei, a cada três dias de trabalho e de estudo o
encarcerado reduz um dia de pena. Se
o estado oferece ao preso trabalho e estudo ao mesmo tempo a cada três dias o condenado reduz dois dias de sua pena. A oferta de
qualificação e trabalho garante ao encarcerado, renda para o sustento próprio e de sua
família; reduz o tempo de permanência no cárcere, diminuindo os gastos para
sociedade; bem oportuniza ao encarcerado ocupação
produtiva após o cumprimento da pena,
reduzindo a reincidência.
Após o término da CPI, representando a Comissão de Direitos Humanos
retornei ao Complexo de Pedrinhas quando houve a sangrenta rebelião com vários presos decapitados. Novamente
ratificamos as mesmas recomendações. Se o poder público cumprisse as leis, a
constituição, os tratados internacionais e tivesse executado as nossas
recomendações está tragédia não teria ocorrido.
Ocorre que o Estado do Maranhão preferiu continuar na ilegalidade,
uma vez que: a superlotação
aumentou. A salada de presos se agravou. O número
de presos provisórios cresceu. A
falta de trabalho e estudo atinge quase
cem por cento dos encarcerados. A tortura e os maus tratos se generalizaram. A desorganização administrativa
radicalizou-se.
Por outro lado, como
bem me disse um preso no Estado do Espirito Santos, neste inferno tem muita
gente lucrando e fazendo fortuna. A título de exemplo cito apenas o
ingresso de armas e drogas no interior dos estabelecimentos penais, facilitadas
por agentes públicos mediante propina e os esquemas envolvendo as empresas que
servem alimentação podre, azeda, com cabelo, baratas e outros animais a preços
absurdos. O esquema das “quentinhas” impede o Estado de oferecer aos
encarcerados trabalho na produção de produtos hortifrutigranjeiros para o
consumo dos internos, apesar de haver terras disponíveis ao redor dos
presídios.
A responsabilidade pelo caos de Pedrinhas é do Governo do Estado que não executa
políticas de ressocialização; não constrói presídios regionais; não qualifica e
não remunera dignamente os agentes penitenciários, não profissionaliza a gestão
do sistema carcerário; reduz recursos orçamentários e desperdiça recursos
federais.
O Poder Judiciário ao
deixar mofando por longo período presos provisórios sem julgamento; ao priorizar o
encarceramento em detrimento de outras opções legais; ao não realizar as vistorias mensais e ao
não impor medidas coercitivas ao Poder Executivo também assume parcela de culpa
pelo caos no sistema carcerário.
O Ministério Público é
também parceiro desta tragédia na medida em que mantém a cultura da condenação
penal e do encarceramento; ao não realizar as inspeções mensais nos termos da
lei e não exercer em plenitude e com rigor as competências de ação e
fiscalização conquistadas na constituição cidadã.
Diante deste caos que alcançou dimensão internacional, a sociedade
e o poder público precisam compreender que, se no Brasil não há prisão perpetua e nem pena de morte, apesar de haver morte
sem pena, é preciso humanizar o
sistema carcerário, em cumprimento do ordenamento jurídico, mas principalmente
na defesa da sociedade livre, pois
hoje o preso está contido, mas amanhã ele estará comigo, contigo, com todos nós.
E se o sistema teima em fabricar
monstros continuamos a pagar uma
elevada conta, expressa em vidas, em patrimônio, insegurança.
O Sistema Carcerário tem solução: basta que se cumpram as leis e as
autoridades sejam responsabilizadas civil, administrativa e criminalmente
pelas suas omissões. Enquanto isto não ocorrer vamos conviver com as tragédias anunciadas.
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